domingo, 4 de novembro de 2012

Eu vou dar de graça o amor que recebi

Oi pessoas...

Estou exausta, mas acho que merecem que eu venha contar como foi o encontro...

Mas antes preciso explicar umas coisas:
Há cerca de pouco mais de um ano, aprendi, da pior e mais dolorosa forma possível, o que era a dependência química.
Aprendi a ter um olhar que jamais havia tido antes, talvez por ser um assunto longe da minha realidade (apesar de trabalhar num dos pontos de tráfico mais fortes da minha cidade), talvez por ignorância, talvez por falta de curiosidade, enfim... Aprendi! Pois até então, eu jamais havia parado para pensar sobre a dependência química, e nem sabia que era reconhecida pela OMS como doença (CID 10).
Eu sabia que muitas pessoas tinham problemas com drogas e PONTO! Que muitas pessoas que conheço usam 'socialmente'. Que muitos eram 'viciados' ou 'drogados'... e... SÓ!
Eu sabia que alcoolismo era doença, apenas isso!

Descobri o quanto é difícil tomar a decisão de 'parar de usar'. Não por malandragem, mas por fuga, ou por medo de descobrir-se, de encarar-se. Mas atenção, eles também não são nada coitadinhos!

E desde então comecei a me familiarizar com termos até então desconhecidos: codependência, adicção, auto-engano, auto-aceitação, comunidade/centro terapêutico, irmandade, 12 passos, grupos de mutuo ajuda, só por hoje, etc.
E comecei a compreender um termo que eu já havia ouvido falar, mas não tinha a menor ideia de como funcionava: o Narcóticos Anônimos, com os seus 12 Passos, suas 12 Tradições e seus 12 Conceitos.

Inicialmente, no começo da relação, eu sabia poucas coisas sobre NA, mas acho que já sabia o principal: que é a forma mais eficaz de manter-se em recuperação. Que quem segue o programa da forma como é sugerido, consegue manter-se limpo.
Eu comecei a perceber que meu amor ainda não havia decidido parar de usar quando eu notei o quanto ele se negava comparecer nas reuniões, o quanto ele criticava tudo, o quanto ele se recusava a pedir um apadrinhamento.

"Eu não acredito nesse programa... Esse papo de '12 passos' é ridículo... Quero fazer do meu jeito!"
(Ele falava)

"É engraçado... Funciona para todo mundo, mas você não acredita em nada que funciona... Você é diferente..."
(Eu respondia sempre)

Mas Deus, em toda Sua sabedoria, só age mesmo na hora certa, na hora em que permitimos que ele aja em nossas vidas.

Foi na Convenção Carioca de NA, que fomos em julho desse ano, que tive meu primeiro contato mais profundo com o tal Programa de NA.
Eu olhava para aquelas pessoas todas dando suas partilhas, aparentemente tão 'normais', que falavam coisas horríveis de si mesmas, sobre seus fundos de poço, suas atrocidades cometidas durante a fase de adicção ativa, e pensava "Não é possível... Inacreditável...".
Mas, mais inacreditável ainda era perceber como essas mesmas pessoas, donas de personalidades tão monstruosas no passado, demonstravam tanto caráter, tanta felicidade, tanta fé, tanta integridade no presente. Ou seja, para essas pessoas, não basta parar de usar a droga, é preciso reformular a vida, e para isso, faz-se necessário exercitar o Programa todos os dias.

Era o Programa de NA! Eram os 12 Passos...
Era o milagre da recuperação acontecendo.

E depois que meu amor finalizou a internação, comecei a frequentar as Reuniões Abertas de NA com ele. E eu gosto muito!
E comecei a entender como são praticados os 12 Passos, que para mim era apenas interpretar e absorver o texto que a gente encontra fácil na internet.
Na verdade, existe uma espécie de manual, um guia que ensina a destrinchar os tais passos. Há uma série de perguntas a serem respondidas, onde a pessoa vai se conhecendo, vai descobrindo seu real caráter, vai aprendendo a se perdoar pelos erros do passado, vai sentindo a necessidade de reparar os erros, vai aprendendo a ter gratidão e fé.
Todos aqueles que realmente vivem o Programa, se aproximam verdadeiramente de Deus e sentem-se muito amados. 
Mas como NA não é uma entidade religiosa, não podem falar sobre Deus de maneira unicamente cristã, então eles mencionam a existência de um Poder Superior, que será entendido de acordo com a crença de cada um.
Quem é membro de NA possui uma literatura de estudo, porém nada no Programa é obrigado ou imposto, TUDO é apenas SUGERIDO!
Uma dessas literaturas, eu leio com o meu amado. Chama-se "Só Por Hoje". É um livro de leitura diária com 365 reflexões sobre recuperação. Mas na verdade, ele é uma excelente leitura para qualquer pessoa, adicta ou não. Basta adaptarmos para nossa realidade. É lindo!

NA é uma irmandade, criada a partir do AA, em 1953 na Califórnia, mas que hoje existe em 126 países e oferece cerca de 40 mil reuniões por semana!
É um Programa  completamente espiritual (mas não religioso), que ensina que sem o Poder Superior não somos nada.

É um Programa  muito simples, mas o difícil está nessa simplicidade. Todos chegam completamente derrotados, mas ainda não estão totalmente decididos a parar de usar. A sala de NA oferece apenas um ambiente saudável para o adicto se recuperar. E o único requisito para tornar-se um membro é o desejo de parar de usar. E o mais perfeito de tudo: É GRATUITO!!!

O ENCONPASSO é um encontro para aprofundamento dos 12 Passos, que acontece em diversos locais no Brasil, que os explica de forma muito clara através de partilhas proferidas por membros em cima de cada um dos passos, ou seja, foram 12 partilhas. Após cada uma, todos os membros presentes dividiam-se em grupos para tentar chegar a uma conclusão do que absorveram sobre aquilo tudo.

Mais uma vez eu olhava todas aquelas pessoas, cheias de vida, cheias de amor, cheias de fé, que prezam o caráter, a gratidão e a honestidade acima de tudo e pensava "Não é possível que esse é seu passado..."

E foi ali, naquele hotel fazenda, durante esses últimos dias que eu confirmei algo que eu já sabia: 
Milagres acontecem de verdade quando se tem fé!

Cada uma daquelas vidas é um milagre de Deus. Não há outra explicação. Cada uma daquelas pessoas só está viva graças ao amor e a misericórdia de um Deus amoroso.
Emocionei-me em alguns momentos. Meu amor se emocionou me vários.
O amor era o sentimento mais vivo ali dentro, e era um amor verdadeiro, sem máscaras, como eu nunca vi igual.
Acho que as únicas pessoas que não eram adictas lá eram eu, minha amiga (cujo namorado é adicto também), e os filhos de alguns membros, e fiquei muito feliz por Deus ter me permitido conhecer esse Programa de Recuperação. Compreendi profundamente que estar em recuperação vai mesmo muito além de estar limpo...

Mas atenção, não estou dizendo que ter um companheiro adicto é a coisa mais linda do mundo e que recomendo a todos, ao contrário, passamos por muita dor até chegarmos aqui, que não desejo a ninguém. Porém, mesmo assim, hoje sei que ele é o homem da minha vida, que eu amo e escolhi viver ao lado dele, e por isso preciso aceitar sua doença e suas limitações. Virei a página de nossa triste história antes dele entrar em processo de recuperação (mas isso não significa que esqueci) e aprendi a  viver nossos dias sem pressa. E, principalmente, preciso aprender a vivenciar o Programa com ele, praticando os 12 Passos.

E isso, minha gente, farei de coração aberto, pois sei que, apesar de já ter aprendido muito sobre mim em sete anos de terapia, há muitas coisas que ainda precisam ser tratadas.


Vejam um pouco sobre como interpretei os 12 passos com o que aprendi no fim de semana:

Doze Passos

1º. Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis.                                                                                                              
É a libertação total da dúvida, quando se arrancam as máscaras. Todos passam a ter consciência de que usar drogas não vai adiantar mais nada. Nessa fase, a dor leva a necessidade de mudança de vida, leva a superação.


2º. Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade.      
Aqui o adicto é preparado para acreditar que há um Poder Superior maior que ele, seja qual for esse poder (a sala de NA, o terapeuta, o padrinho, até chegar a Deus). E assim surge e fé.


3º. Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós o compreendíamos.
Esse passo abre o caminho para a recuperação a medida que se caminha nos próximos passos, mas é preciso ter paciência pois nada muda rápido. É uma entrega diária. É um momento de rendição e submissão ao extremo.

4º. Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos.
Para muitos, é o mais temido, mas também pode dar uma enorme sensação de liberdade, pois vale a pena se ver. E depois descobre-se que a dor de não fazer é maior que a dor de estar fazendo. É um passo muito libertador.

5º. Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das nossas falhas.
É um passo de aceitação. A presença do padrinho é importante, pois ele também é um adicto e entenderá o que se diz. E o que começou com dor, terminará com alegria. Mas a auto-aceitação não significa que não há mais nada a melhorar.

6º. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
Aqui começa-se a viver com honestidade. Mas é preciso calma, pois os defeitos só serão mesmo removidos quando Deus quiser.

7º. Humildemente pedimos a Ele que removesse nossos defeitos.
Constitui uma escolha espiritual. É preciso tornar-se humilde e ter uma vida limpa para viver uma vida espiritual. A paciência, mais uma vez, é uma das virtudes a serem trabalhadas.

8º. Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado, e dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas.
Perdão... É preciso ter paz para andar de cabeça erguida, é preciso se perdoar. Listar, mas esta lista NUNCA será completa. Este passo pede ação, mas ainda não é o momento da reparação, é apenas para saber que será preciso a reparação...

9º. Fizemos reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível, exceto quando fazê-lo pudesse prejudica-las ou a outras.
Uma reparação exige muita coragem e fé. Muitas vezes, a única forma de reparar certas situações vividas é manter-se limpo e tentar ser uma pessoa melhor. A reparação deve ser interna, independente de como o outro irá me receber, e deve ser também diária consigo mesmo.

10º. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
Fazê-lo diariamente, em todas as situações cotidianas pelas quais passamos...

11º. Procuramos, através de prece e meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o conhecimento da Sua vontade em relação a nós, e o poder de realizar essa vontade.
Deus existe e está dentro de cada um, cabe a nós nos presentearmos com Ele. Aqui se busca melhorar o contato consciente com Deus, da forma como Ele é compreendido por cada pessoa. A disciplina é fundamental. 

12º. Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.
Levar a mensagem àqueles que ainda não conhecem NA e que ainda sofrem. Quando estamos ajudando alguém, estamos ajudando a Deus a nos ajudar. Quando fazemos pelos outros, Deus faz por nós aquilo que não conseguimos.



Nunca vi nada mais lindo e profundo na minha vida, e falo isso sem um pingo de exagero!
Precisamos aprender a ser pessoas melhores a cada dia de nossas vidas, pois a vida foi o presente mais lindo que Deus nos deu, e a única coisa que Ele nos pede é que a gente cuide dela direitinho!

E para fechar com chave de ouro, veja parte da leitura do dia 4 de Novembro do livro 'Só Por Hoje':


Troca de Amor
"(...) damos amor porque ele também nos foi dado tão livremente. Novas fronteiras se abrem para nós, à medida que aprendemos a amar. O amor pode ser o fluxo de energia vital de uma pessoa para outra."
(...)
Só por hoje: A vida é uma nova fronteira para mim e o veículo que vou usar para explorá-la é o amor. Eu vou dar de graça o amor que recebi.

Espero que tenham ótimas próximas 24 horas...
Boa noite!

Um comentário:

  1. Obrigada por partilhar conosco seus aprendizados, suas palavras muito me ajudam e, especialmente, hoje, me trouxeram paz!

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