quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Não é pirraça, é autismo!

Outro dia conheci uma professora jovem, bonita e bem resolvida, que tem um filho de três anos recentemente diagnosticado como autista. Situação delicada a dela...
Conversamos muito a respeito, e apesar de mal nos conhecermos, ela me deixou muito à vontade para esclarecer diversas dúvidas sobre a doença. Varamos a madrugada em um bate-papo delicioso...

Chegamos na questão do preconceito e despreparo do ser humano para lidar com o desconhecido.
Ela me disse que é comum ser olhada de maneira recriminatória pelas pessoas em locais públicos, pois em alguns momentos a criança autista, que vive em um mundo só seu, tem atitudes que, vistas de fora, podem  aparentar uma "pirraça".

Até comentei com ela que eu mesma, na minha ignorância, certamente pensaria isso também. E como isso seria errado da minha parte!


Preconceito (prefixo pré- e conceito) é um "juízo" preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude "discriminatória" perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou "estranhos". Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém, ou de um grupo social, ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social, racial e sexual.
(Wikipédia)

Eu nunca me considerei uma pessoa preconceituosa. Aliás, sempre detestei atitudes discriminatórias. Mas a partir daquela conversa comecei a repensar minha vida e ver em quais momentos tive posturas de pré-julgamentos em relação a algum fato qualquer, mesmo que fosse em algo simples como uma pirraça!
Graças a Deus não me lembrei de nada. Mas isso não significa que não aconteceu!

Há alguns anos, na escola, houve uma situação horrível, que me deixou muito mal.
Eu sempre brinco com meus alunos, quando eles me entregam atividades mal feitas, com a expressão "serviço de preguiçoso" ou "serviço de porco".
Nesse dia, eu estava elaborando um material e escrevi "cartolina preta". No mesmo instante em que eu escrevia, um aluno veio me entregar um exercício que estava cheio de rasuras.
Era um rapaz muito querido e que eu tinha muita liberdade para brincar, e soltei a frase "mas que serviço de preto é esse?". A turma ficou em silêncio e eu imediatamente senti meu corpo gelar. Ele era negro.
Eu NUNCA, em toda minha vida falei nada nem parecido com isso. Sempre odiei essa expressão dita dessa forma. Falei por causa da maldita "cartolina preta".
Sem a menos intenção fui extremamente preconceituosa e doeu em mim.

Nem dormi naquela noite. Chorei tanto!
Lembrava da minha infância quando outras crianças implicavam comigo por eu ser muito branca e magra. E eu havia feito a mesma coisa com alguém que eu amava.

No dia seguinte eu conversei com uma professora, que é uma de minhas melhores amigas (e é negra!) e pedi que me confortasse. Depois o chamei, junto com alguns outros alunos da sala, e pedi desculpas. Na verdade eu mais chorava do que falava. Acho que nunca me senti tão mal por dizer algo.
Ele me abraçou e disse "Eu sei que você não é assim 'fessora', não precisa chorar mais não. Eu acredito que foi sem querer!", e depois saiu rindo e brincando "Mas agora vai ter que me passar de ano!"
Até hoje, quando lembro disso, sinto meu corpo arrepiar de agonia.

O preconceito está aí, é fato! Mesmo quando a gente nem percebe, pode estar julgando uma situação ou alguém de forma maldosa. Como no caso das crianças autistas!
Aquela professora que comentei no início me disse que existe uma ONG cujo nome é algo como "Meu filho não é mal educado, é autista!"

O dependente químico, mesmo em recuperação, será sempre alvo de preconceitos. Ele carregará um rótulo.
Às vezes penso que as pessoas ficarão o tempo inteiro só observando e esperando um mínimo vacilo para dizer: "Eu sabia que ele não conseguiria!".

Uma vez assisti uma entrevista do ex-jogador de futebol e comentarista da Rede Globo Walter Casagrande, que já teve problemas sérios com drogas, chegou a ser internado, e hoje faz acompanhamentos para manter-se em recuperação. Ele falava sobre isso. Disse que até quando está resfriado, se levar a mão para coçar o nariz, muitos já o olham de forma desconfiada.
O dependente precisa entender que irá lidar com isso.

Eu já não me importo mais com comentários preconceituosos que possam vir. Não deixo isso me abater em absolutamente nada!
Eu sei do propósito do meu amor, sei que ele, AGORA, quer a recuperação, sei que ele está lutando, que estamos construindo nossa vida em terra firme e que estamos felizes.
O que mais importa para mim é que não preciso mais mentir para minha mãe, algumas amigas e, principalmente, para mim mesma.
Na verdade, nem me incomodaria se O MUNDO soubesse que estou me casando com um adicto, pois isso é uma escolha minha, e sou eu que vou arcar com as consequências das minhas escolhas.

A única coisa que, de fato, me assusta é que as mesmas pessoas se incomodam tanto e possuem reservas para tratar do uso de drogas ilícitas, são as que não se incomodam nada com o abuso de bebidas alcoólicas.
Não percebem que tanto o dependente químico quanto o alcoólatra perdem a capacidade de dominar seu uso de drogas e álcool. Ele passa a ser dominado por essas substâncias...
Infelizmente não dá para negar que o mundo será cruel com o meu bem, mas ele está se preparando para isso. E por isso eu opto pelo silêncio, pela não exposição. Eu respeitarei seu anonimato, se essa for sua vontade.
Eu não quero vê-lo sofrer mais que já sofreu.
Sim, eles sofrem... Só quem já conviveu com um DQ é capaz de saber o quanto eles sofrem.

A dependência química é uma doença (CID 10) que se desenvolve devido a transtornos de personalidade de um indivíduo, e não uma opção de vida. É claro que a doença surge a partir de escolhas erradas do sujeito, porém, esse mesmo sujeito não deseja tornar-se um adicto e viver de forma auto-destrutiva. 

No blog da Poly, quando ela foi dar a entrevista, ela chegou a falar sobre os receios do esposo dela. E, infelizmente, ele está certo! (Leia: Amor pra mais de metro!)

"...Deixei meu esposo bem à vontade quanto a ficar ou não durante a gravação, e ele optou por ficar e por colaborar. Entretanto, em um determinado momento, receoso de que a moça que veio para cuidar das crianças estivesse ouvindo os seus relatos, ele não quis continuar.

Compreendo a sua reação, afinal existe mesmo muito preconceito. E ele é uma pessoa extremamente preocupada com a imagem, com o que os outros pensam ou falam a seu respeito. Entendo, mas acho que ele deveria esquecer um pouco dos outros, o que vale mesmo é o que ele é e ponto..."


Tenhamos mais cautela ao julgar uma situação, ou ainda, ao criar pré-conceitos...
Precisamos parar de focar nos defeitos ou erros cometidos e buscar o que de bom pode ser tirado daquilo tudo...
Como eu já disse em outros posts, eu agradeço a Deus todos os dias pela última recaída de meu amor, apesar de toda dor que me causou, pois foi através dela que eu renasci. Foi ela que me mostrou o quanto eu estava doente e infeliz. Iríamos juntos para o apartamento com ele vivendo daquela forma. E o desfecho seria infinitamente pior.

É preciso olharmos para nosso próprio umbigo e descobrir se a nossa vida é tão perfeitinha assim para termos o direito de pensar que "a criança é pirracenta", "a fulana vive bêbada", "ele é gay", "o cara já usou drogas", ou qualquer outra coisa.

Eu me esforçarei ao máximo para nunca mais chamar uma criança que não conheço de pirracenta!
Afinal, amanhã eu posso ter um filho autista!

Um grande e apertado abraço e fiquem com Deus!

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